André Santos é diretor na produtora Caboré Audiovisual e busca, desde a adolescência, narrativas que o fazem refletir sobre sua existência enquanto homem preto e LGBT. Quando mais novo, passava as tardes na frente da televisão, e com o passar dos anos, sua conexão com o cinema apenas cresceu. Agora, graduado em Comunicação Social (Rádio e TV), André pode transformar a paixão em arte.
No dia 6 de novembro, o curta-metragem Eu Estou Aqui (2024), dirigido por André e apoiado pelo intercâmbio cultural do Ministério da Cultura, foi exibido no Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF), uma das janelas de exibição de cinema brasileiro mais tradicionais de Hollywood. A obra potiguar, que tem como cenário os bairros de Alecrim e Rocas, em Natal - RN, traça com delicadeza uma reflexão sobre as vivências LGBTQIAPN+ entre diferentes gerações. Com o desaparecimento de Jussara (Anum Preta), o senso de comunidade e acalento entre as pessoas próximas a ela se desperta quando sua mãe, Moema (Célia Melo), e sua amiga, Amara (Quilomba Zu), partem pelas ruas de Natal à procura da jovem travesti.
Em uma conversa sobre identidade, ver-se refletido na tela e o que é fazer cinema queer no Brasil (e fora dele), André Santos conta à Guilhotina um pouco mais sobre o processo até Eu Estou Aqui e suas inspirações.
A gente sabe que a produção independente no Brasil é o que mantém nosso cinema pulsando, mas também há muitas dificuldades no percurso. Antes de tudo, falando sobre o curta em si, qual foi o parágrafo inicial de “Eu Estou Aqui”, o começo dessa ideia?
ANDRÉ: Eu comecei a pensar no roteiro em 2022. Eu sou uma pessoa LGBT, então eu assisto muitas narrativas LGBTs. Natural meu, desde a adolescência, eu busco narrativas que tratam dessa pauta. E tenho cada vez mais adentrado um interesse nesse universo, de retratar nas minhas obras. O meu último curta-metragem, de 2021, também tinha uma narrativa LGBT, mais focada no universo gay, dois meninos se relacionando, dois adolescentes. E aí eu fiquei pensando muito em outras representações.
Você pode nos contar um pouco mais sobre o curta?
ANDRÉ: Eu me interesso muito por narrativas LGBTs de uma forma geral, não só que tratam de homens gays, então eu me interessei em escrever uma narrativa que tivesse um protagonismo mais feminino. Fiquei pensando muito em uma que se passasse num dia, dentro de quase 24 horas, 1 dia dessas pessoas, e aí me veio essa ideia de falar sobre essa garota trans que está desaparecida e que não se sabe muito bem o que aconteceu, se foi algo de uma violência externa, ou se foi um sumiço dela própria e tal.
Então, eu tento levar essa narrativa não necessariamente para um lugar negativo, porque eu, enquanto um corpo LGBT, já assisti muitas narrativas que vão para esse lugar da tragédia, do final trágico. Eu tento evitar esse caminho, porque eu não acho que sejam representações que nos interessam mais, no sentido de que a gente já cresceu muito entendendo dessas representações, que nossa existência não é uma existência digna de felicidade ou digna de um merecimento, de um pertencimento que a sociedade heterocisnormativa acredita que tenha que ser.
Pela sua trajetória enquanto cineasta, sabemos que você já teve várias experiências em fazer e vivenciar os filmes em casa, entre os seus. Como foi, agora, estrear tão longe? A recepção do seu trabalho foi a mesma ou você sente que algo te marcou mais lá, em específico?
ANDRÉ: Eu não estou muito acostumado com festival muito pomposo, né? A gente vem de festivais muito independentes aqui, festivais que, talvez por serem menores, conseguem trazer essa coisa mais da junção dos realizadores e tal. Não que lá não tinha, mas eu acho que lá eram muitas pessoas e a interação às vezes se tornava um pouco difícil. Eu já sou uma pessoa não muito social, não sou muito fácil de me socializar nesses eventos [risos]. Mas eu acho que a dificuldade maior foi realmente estar sozinho, porque fui sozinho representando o filme, e eu tenho muita questão também de assistir minhas próprias obras. Eu sou muito autocrítico, então fico colocando defeito em tudo, sabendo das limitações que tive na hora de gravar, porque foram muitas, a gente teve um orçamento muito baixo.
Então no final você diria que foi uma experiência meio ambígua, já que teve seus pontos bons e seus pontos médios?
ANDRÉ: Eu acho que foi muito bom em termos de janela de exibição. A gente teve um público que recebeu bem, o pessoal no final foi falar comigo, dizendo que achou interessante e tal. Eu acredito que essa troca no final é sempre mais interessante [...] mas eu acho que essa limitação geográfica dificulta um pouco, porque estando no Brasil acho que a sessão é um pouco diferente. Não só de troca com o público, mas também de qualquer forma com quem faz o festival, com as pessoas que estão lá exibindo filmes e tudo mais.
Sabemos que você já está trabalhando em outros projetos momentos. Podemos esperar por mais obras envoltas no mundo LGBT+?
ANDRÉ: Com certeza. Eu não trabalho só como roteirista e diretor, eu também tenho uma carreira como assistente de direção, principalmente. Então esse ano já trabalhei algumas curtas como assistente de direção [...] e vou dirigir o meu primeiro longa-metragem de documentário no ano que vem. O primeiro projeto que a gente vai gravar no ano que vem, que eu vou gravar na direção, se chama Corpo Clandestino, que é um longa-metragem de ficção, que ele vem sendo desenvolvido desde 2016, mais ou menos por aí.
Logo depois eu vou gravar um longa documental chamado Movimento com Sentimento, um documentário que fala sobre o universo do hip-hop, focando em três dançarinos e 1 rapper aqui do RN. E aí o primeiro, Corpo Clandestino, se trata de uma temática do universo feminino também, a protagonista é uma mulher e fala sobre violência sexual. Eu vou dirigir junto com Diana Coelho, que é minha parceira também. Então seriam os projetos principais do ano que vem, na verdade, esses dois.
Você é formado em Rádio e TV, com especialização em Cinema. Quais são as suas inspirações quando você faz um filme?
ANDRÉ: São muitas, né? Eu assisto muita coisa, gente. Então, assim, obviamente que as minhas primeiras referências foram internacionais, porque querendo ou não, a gente pega muita coisa de fora, né? É o que eu facilmente lembro primeiro. No início eu lembro que eu assistia de tudo. Não que eu ainda não assista, né? Eu assisto de tudo ainda. Mas o diretor que eu logo de cara gostei muito foi o Paul Thomas Anderson. Eu gosto muito dos filmes dele. Para mim, ele é uma referência. E até em termos de diálogo, né? Eu amo filmes de diálogo. Apesar de também gostar de filmes que têm silêncio, mas eu amo filmes com diálogos bem escritos. Para mim, filmes verborrágicos geralmente pegam muito mais do que os filmes que não têm tanto diálogo. E eu acho que ele escreve diálogo muito bem.
“Eu era aquele adolescente que não saía de casa, eu só ficava assistindo filme. Minha mãe ficava preocupada que eu não ia fazer nada da vida, né? Porque ela dizia “esse menino só sabe assistir filme”. E aí, quando eu saía de casa, era para ir para o cinema ou para o cineclube.”
Quais outros diretores são suas inspirações?
ANDRÉ: Eu gosto também de Wes Anderson. Em termos de pautas, obviamente que eu posso citar Spike Lee. E quando eu vim para o cinema brasileiro, as minhas primeiras referências foram Karim, né? Karim Aïnouz. Eu, tipo assim, acho que Madame Satã foi o primeiro filme dele que eu fiquei... caramba! Depois eu vi O Céu de Suely, assim, muitas obras. E Marcelo Gomes também virou uma referência grande para mim ao longo do meu entendimento enquanto cineasta. Ele, inclusive, foi um dos consultores de roteiro desse projeto que a gente vai filmar ano que vem, Corpo Clandestino.
Obviamente que a galera da Filmes de Plástico, André Novais Oliveira, Gabriel Martins, são referências também. Enfim, acho que tem uma galera muito forte, né? Anna Muylaert, eu gosto muito da forma que ela trabalha, fazendo muita improvisação, que é um pouco também do que o Karim faz. Eu acho que é a forma que ela trabalha roteiro interessante, trabalha preparação de cinema, é muito massa também.
Você já falou um pouco da sua trajetória e da sua relação com o cinema, mas como você se vê refletido no trabalho que você faz?
ANDRÉ: Dentro dos filmes que a gente faz na Caboré, eu acho que acabou sendo uma coisa muito natural tratar de pautas sociais que nos interessam. Não é à toa que essas pautas vêm pra gente, né? Não é à toa que a gente queira falar sobre determinados assuntos, porque não é uma coisa que a gente falou “ah, não, a gente vai falar sobre esses assuntos porque são assuntos atuais, porque é o que vai gerar buzz”. Porque nem sempre gera. Muitas vezes nossas obras não circulam tanto assim, é uma coisa muito de sorte. Não entendo muito bem como funciona isso, mas tem obras que são muito bem aceitas e outras não.
“Se a gente escolhe falar sobre esses assuntos, de certa forma, a gente se coloca neles, né? A gente tem interesse em falar sobre eles porque faz parte da gente de alguma forma.”
Nossos filmes têm um pedaço da gente, né? Nossas narrativas, se não são sobre o que a gente viveu, são sobre coisas que a gente foi tocado de alguma forma ou que a gente se sentiu motivado a falar, por alguma coisa ou algo que a gente viveu, algo que a gente experimentou, algo que a gente viu, algo que, enfim, mexeu com a gente.
Quais são as suas expectativas para o cinema independente no Brasil e o crescimento desse cenário?
ANDRÉ: A gente fala muito desse cinema independente, né? Mas o nosso objetivo é quebrar essa bolha da independência. Ninguém vai viver de cinema se ficar para sempre nessa bolha do cinema independente.
A gente começa pequeno com a intenção de ser grande. A gente quer cada vez mais produzir obras maiores, não ficar só no universo de curta-metragem, que foi algo muito difícil para a gente, mas a gente conseguiu finalmente sair da bolha do curta-metragem e já produziu, além de Septo, que foi uma web-série, produzimos duas séries. E ano que vem, se tudo der certo, a gente lança o nosso primeiro longa-metragem documental.
A gente entende que o cinema independente tem a sua importância, sua necessidade, seu público, e os festivais de cinema são muito importantes para servir de janela de exibição para o cinema independente, assim como cineclubes e alguns streamings hoje em dia focam bastante na distribuição de curta-metragens. Mas a gente sabe que o público maior não está no curta-metragem, o público maior está em obras seriadas e em filmes de longa-metragem. Então esse está sendo o nosso foco, adentrar esse cenário onde a gente possa produzir cada vez mais essas obras.
Eu Estou Aqui é um resgate singelo às vidas LGBTQIAPN+ no Brasil e traz a vivacidade brasileira em um curta repleto de identidade. Com lançamento previsto para o primeiro bimestre de 2025, a obra é distribuída pela Caboré Filmes e dirigida por André Santos. Siga a produtora nas redes sociais (@caborefilmes) para acompanhar mais trabalho de cinema brasileiro, vivo e queer.
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