top of page

Ridley Scott decide o futuro do Coliseu em “Gladiador II”

  • Davi Marcelgo
  • 26 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

Paul Mescal no coliseu em Gladiador II

Gladiador II é o primeiro blockbuster de Paul Mescal (Foto: Paramount Pictures) 


O texto contém spoilers


Com muita dificuldade de encontrar um roteiro e receio de perder mais uma franquia para outros diretores, o Coliseu é aberto outra vez para as lutas de homens vestindo saia. Ainda que quase três décadas separem Gladiador (2000) de sua sequência, Gladiador II (2024), a história escrita por David Scarpa e Peter Craig, produzida e dirigida por Ridley Scott, parece ter sido criada na virada do milênio. Não apenas pelas similaridades nas motivações de Lucius (Paul Mescal) e do General Maximus (Russell Crowe), mas principalmente porque é um filme que olha para o passado branco e heteronormativo de Hollywood com muito saudosismo. 


Ora, o que tem de mais homoerótico do que homens musculosos, suados, sujos em lutas de espadas na Roma antiga? Brincadeiras à parte, é curioso que os personagens negros e afeminados sejam os vilões desta narrativa, enquanto o trágico herói, interpretado por Paul Mescal, é branco, loiro e de olhos azuis. Cabe ressaltar aqui que não é como se o diretor britânico e sua equipe fossem homofóbicos e racistas; Gladiador II, na verdade, soa mais como um sintoma da realidade. Aqui, as “bichas más” são interpretadas por Joseph Quinn, Fred Hechinger, Matt Lucas e Denzel Washington – quem, inclusive, deu uma declaração sobre o corte da cena de um beijo seu com outro homem, mas a história foi negada por Scott.


A atuação, assim como as falas e vestimentas de todos os personagens desses atores se dirigem a emular voz e trejeitos de um homem gay e até existem alguns diálogos que brincam com a possibilidade de um beijar outro homem. Em uma das cenas, quando os imperadores (Quinn e Hechinger) conhecem Lucius, há homens e mulheres vestindo poucas roupas em torno deles, o que dá a entender que aqueles são os escravos sexuais dos senhores. Portanto, o longa traz insinuações fortes durante o seu decorrer sobre relações homoafetivas e feminilização, para além de estarmos procurando pelo em ovo. 


Joseph Quinn em Gladiador II

Joseph Quinn vai estrelar o novo filme do Quarteto Fantástico como o Tocha Humana (Foto: Paramount Pictures)


Claro que a elegância, a maquiagem e os acessórios usados pelos personagens da nobreza são elementos utilizados na narrativa para delimitar classes, afinal, o império está deixando a população na miséria. Da mesma forma, o diretor constrói um contraste claro entre os mocinhos, que vestem uniformes e estão sempre sujos, e o glamour, a higiene e o ouro dos vilões. No entanto, quando existe subtexto e interpretações, fica difícil acreditar que a composição seja “só” isso.  


Diante dos irmãos imperadores, suas caricaturas beiram o estereótipo: um baixo e outro alto (tal como o modelo do casal heteronormativo como conhecemos), são magrelos e afeminados, à medida que Marcus Acacius (Pedro Pascal) – mais um herói da trama – é um homem de princípios, viril, forte e normativo. Já Macrinus (Denzel Washington) é o personagem traiçoeiro, aquele que deseja conquistar Roma a qualquer custo. Enquanto Acacius e Lúcio possuem tramas trágicas e grandiosas, com nuances sobre suas atitudes, aos outros resta apenas o maniqueísmo da sede de poder.


Denzel Washington como Macrinus em Gladiador II

Janty Yates, que ganhou o Oscar de figurino pelo primeiro Gladiador, retorna no comando

dos figurinos (Foto: Paramount Pictures)


Na trama de Lucius, que também quer vingar a morte de sua esposa, ele olha para o passado e se inspira em seu pai, Maximus, para derrubar o império. Existe um movimento de manter viva a memória do general e de colocar o filho em seu lugar de direito: no trono. Inclusive, ele é devoto da “Roma dos sonhos”, um projeto que seu avô, o imperador Marco Aurélio (Richard Harris), tinha como ideal. Mas, afinal, o que é esse sonho? Ao que parece, é uma Roma que, assim como Maximus, Lucius e Aurélio, é branca e normativa. Ao final, os antagonistas são mortos e Lucius fica vivo, trivial para as histórias ocidentais que tendem aos desfechos dos protagonistas vitoriosos, mas estranho neste contexto com o histórico para além da ficção.


O Gladiador II decide quem tem espaço no Coliseu e quem fica vivo para o futuro de Roma. Hollywood também fez essas escolhas antes mesmo de se firmar como indústria, e embora haja esforços para mais representatividade na tela e em premiações, o horizonte parece estar bem distante de mudar, sendo necessário mais confrontos dentro do Coliseu para alguma conquista de fato impactante.


1 commento


lucas fernandes
lucas fernandes
27 nov 2024

Tudo o que foi abordado nesta pauta e a forma como o filme foi construído em torno desses temas ficou claramente evidente para aqueles que tiveram a oportunidade de assistir no cinema. Foi profundamente desconfortável ouvir o público fazer comentários homofóbicos sobre os imperadores sempre que uma cena com eles aparecia. Isso reflete de maneira preocupante o que foi discutido na pauta, evidenciando a persistência de preconceitos em pleno contexto cinematográfico e sua manifestação em espaço público.

Mi piace
bottom of page