Provando que a festa não acabou e que o brat summer está longe de ser esquecido, a cantora britânica e it girl do momento, Charli xcx, lançou no último sábado (11) a versão remix de BRAT, seu sexto álbum de estúdio. Após o impacto da primeira versão, que trouxe uma nova euforia a um cenário defasado da música pop, os remixes surgem para integrar um projeto completamente ímpar, assim como descrito pela cantora no próprio título, Brat and It’s Completely Different but Also Still Brat” (Brat e é completamente diferente, mas ainda assim é Brat). Entretanto, será que o projeto é mesmo tão distinto assim?
Anunciado no dia 12 de setembro deste ano, o lançamento pegou poucos fãs de surpresa, já que Charli havia compartilhado anteriormente remixes de faixas como Guess, em parceria com Billie Eilish, e a mais recente Talk Talk, com Troye Sivan, que bombaram nas redes sociais. Outros remixes, lançados pouco tempo após o álbum original, foram os das faixas 360 e Von Dutch, em parceria com Yung Lean e Robyn, um duo feat, e Addison Rae, respectivamente. Tais escolhas para o conjunto repaginado das canções pode ter sido o primeiro pontapé da cantora para sugerir ao público que o caminho óbvio não seria seguido, outra vez, neste álbum.
O que surpreendeu seus ouvintes, por outro lado, foi uma seleção ainda mais eclética de intérpretes e produtores. A longa lista de featurings passeia por ícones pop como Ariana Grande e Tinashe até nomes da música indie, aqui representados por Bon Iver, The 1975, The Japanese House e Julian Casablancas.
O álbum original, que é sucesso de crítica e dispara com uma nota 95 no Metacritic e selo de 8.6 na Pitchfork, alcançou uma popularidade inesperada para uma cantora que há alguns anos atrás era pouco reconhecida no cenário mainstream. Mas engana-se quem pensa que sua caminhada rumo aos holofotes é súbita e imprevisível: desde o tom verde fora de tendência que marcou a identidade visual de sua era até a ambientação PC Music que alude ao experimentalismo do início dos anos 2000, Brat ressoa como um cálculo bem feito rumo ao topo das paradas, com letras deliciosamente irreverentes e ritmos bem-amarrados na coesão de uma noite de farra sem hora para terminar,
À primeira vista, Brat and It’s Completely Different but Also Still Brat transmite a sensação de que Charli organiza uma grande festa, com pessoas interessantes e que se entendem enquanto grupo, mas acaba se esquecendo de convidar alguém essencial: o ouvinte. Em meio a longos monólogos regados a autotune e confissões autoindulgentes de uma cantora que quase parece ter se esquecido, mesmo que por um momento, a energia clubber sob a qual construiu toda a persona da era Brat, o álbum, como um conjunto, às vezes parece se perder em uma mistura de ideias desnorteante.
Depois de ouvir as mesmas faixas algumas vezes, porém, a experiência finalmente se encaixa, e é inevitável pensar: será que essas longas confissões na pista de dança e sua confusão momentânea são mesmo uma coisa ruim?
Contentar-se com uma fórmula de sucesso e se engessar nos moldes que outrora garantiram sua posição nos charts é mesmo o caminho que uma artista tão única deveria seguir?
Junto a participações que nunca imaginaríamos ver creditadas junto à cantora, como o vocalista da banda The Strokes, Julian Casablancas, que dá um novo ar mais irônico à animada Mean girls, o outro lado da longa balada-sem-fim também apresenta momentos excruciantes, a exemplo de I might say something stupid. Readaptada pela banda The 1975 e pelo produtor musical Jon Hopkins, os vocais espaçados de Matt Healy soam cansativos à medida que a música, antes curta, se estende para uma das mais longas do álbum, com 4 minutos e 10 segundos. O cantor britânico tornou-se conhecido por suas falas controversas em shows, de comentários sexistas até gestos anti-semitas, e convidá-lo para uma faixa em que repete “talvez eu fale algo estúpido”, propositalmente ou não, é uma adição cínica que poderia ter sido repensada durante a produção.
Entre as reinterpretações, algumas merecem destaque por sua originalidade e frescor, ao convidar o ouvinte para uma análise mais insólita do que já tinha sido estabelecido em outro momento, lírica e sonoramente. No Instagram, Charli comentou ter um problema com a ideia de músicas como algo que é lançado e “cimentado” para sempre daquela forma:
“Eu acho que músicas são infinitas e têm a possibilidade de serem continuamente quebradas, retrabalhadas, metamorfoseadas, mutiladas em algo completamente irreconhecível. Isso é o que eu queria fazer nesse projeto e fico muito feliz que todos os colaboradores no disco foram tão abertos a explorar e reinterpretar essas canções comigo.”
Assim, confirmando que mesmo após o amor tudo ainda é romântico, Charli xcx acrescenta uma nova camada sob a profunda Everything is romantic e abre as faixas de destaque com uma que mesmo não sendo metamorfoseada por completo, ainda se rearranja com o feat.
Na versão com Caroline Polachek, o tom melancólico permeia toda a canção, deixando um gosto da mesma nostalgia indomável que permeia os amores de um verão que se esvai aos poucos, já trazida nos cenários italianos da faixa original, que aqui dão lugar ao cinza frio de Londres. Se apaixonar de novo e de novo pode ser cansativo, ainda mais quando o romance toma conta de tudo, e a nova abordagem da música é de um narrador que, dessa vez, canta da outra face da euforia, como quem percebe que se tudo é romance, então a vida mundana que sobra além dele é o nada. Embalada pelos vocais cristalinos de Polachek, a jornada do amor nas duas versões se finda como uma mensagem no vento, mais calma do que a primeira, mas não menos íntima.
Já na reinterpretação de Sympathy is a knife com Ariana Grande, ambas servem um pop perfection bem dosado e marcado por sintetizadores que casam perfeitamente com ambas as vozes, dando à Ariana um papel incomum – já que ela é conhecida por produções mais próximas de um pop entrelaçado ao R&B –, mas que ainda assim consegue incorporá-la no conjunto. Se na primeira versão nos deparamos com uma letra tão pessoal quanto confessar que sente ciúmes do seu namorado por conta de outra garota, a insegurança de Charli, agora, toma um panorama mais geral, em uma crítica à indústria musical e seu tratamento com as mulheres que fazem parte dela, e o convite de Ariana para a faixa passa a fazer muito mais sentido.
So I, faixa mais emocionante do álbum anterior e uma homenagem saudosa para Sophie, grande nome da música eletrônica e amiga pessoal de Charli que faleceu em 2021, traz consigo um carinho ainda maior. Com o acréscimo de novos trechos sobre a relação de ambas, a letra conquista até mesmo aqueles que não conhecem quem deu voz a obras como Oil Of Every Pearl’s Un-Insides (2018). Na parceria com A.G Cook, produtor de longa data de Charli e também amigo de Sophie, as lembranças do tempo que dividiram juntas seguem vivas, eternizadas através da composição.
Dentro de canções como B2b, uma colaboração com Tinashe, e Club classics, na voz da rapper espanhola Bb Trickz, a melodia ganha destaque e reforça que transfigurar as canções foi uma escolha certeira, com identidades vocais que contrastam bem com Charli. No entanto, quem rouba a cena e captura perfeitamente o espírito de uma era definida por batidas carregadas e sintetizadores potentes é a incomparável Shygirl. Vinda do cenário alternativo – e colaboradora de Charli no álbum Pop 2 – a cantora e DJ acelera a batida na velocidade da luz, transformando 365, que já hipnotizava e transportava seus fãs direto para um boiler room, em um sonho frenético. Quando Shygirl entra em cena, não há bad trip ou ressaca capaz de impedir alguém de dançar.
Se a proposta era ser diferente do original e navegar em elementos inexplorados na primeira versão, o álbum consegue tal feito, mesmo que a sensação de completude em uma faixa ou outra precise crescer aos poucos em alguns ouvintes. Em outras, porém, a nova roupagem adere perfeitamente ao corpo da canção, mostrando que se reinventar pode não ser o caminho usual quando se está consolidado na indústria, mas é o mais certeiro para se manter fiel a um propósito – e ao público que acompanha tudo de perto.
Em meio a erros e acertos, Brat and It’s Completely Different but Also Still Brat traça caminhos que podem denotar certa estranheza com relação à obra original, e mesmo que não agrade a todos, deixa visível a inegável originalidade de uma estrela que rompe os padrões da indústria e que está sempre em busca de um novo caminho para trilhar. Aqui, uma das artistas mais interessantes do pop atualmente coroa o fim de sua era do mesmo modo que começou: transbordando identidade e personalidade. Afinal, certas coisas podem sim ser resolvidas em um remix.
Nota 8,4/10
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