Desmascarando o mundo de Tyler, muito além do St. Chroma
- Mikaely Pedroso
- 21 de dez. de 2024
- 9 min de leitura
O caminho até chegar à luz: quem é o Criador?
Tyler Gregory Oklahoma nasceu em Los Angeles, em 1991, e ganhou notoriedade em 2007 ao criar o grupo Odd Future, junto a outros rappers, produtores musicais, criadores do audiovisual, designers de moda e skatistas.

Ao longo de 17 anos de carreira, a vida de Tyler, The Creator, em sua discografia, é retratada como um filme, o que torna quase impossível descrever tamanha extensão em apenas uma palavra. Desde o lançamento de Odd Future, o artista vem construindo e reconstruindo versões de si, usando conceitos, pseudônimos e alter egos marcantes ao longo de sua discografia, e muitos desses personagens criados por Tyler representam emoções ou até mesmo outras versões dele.
A carreira de Tyler “nasce” de um lugar repleto de ódio e frustração, acompanhado de um pensamento cético em obras como Bastard (2009) e Goblin (2011), e logo entra em um processo de autodescoberta, já em Wolf (2013) e Cherry Bomb (2015), até chegar a Flower Boy (2017), quando a relação do rapper com a própria identidade é abordada de forma mais aberta. Embora os temas e roteiros das suas músicas tenham mudado drasticamente com o passar dos anos, apenas duas coisas persistem ao longo da trajetória de Tyler: a personalidade irreplicável e a arte que ele apresenta ao desafiar limites com a música.
Lançado na manhã de 28 de outubro deste ano, Chromakopia apresenta uma pergunta como metáfora: se o mundo fosse cinza, o que você faria para proteger a sua cor?

O disco traz um acervo de sinfonias e aborda histórias aparentemente mais pessoais, contadas pela lente de quem as vivenciou. O papel da mãe de Tyler é essencial para o projeto, assim como o álbum CTRL, da cantora SZA — que contém trechos de conversas da mãe e avó da artista — e Donda, do rapper YE — que aborda a relação de Kanye West com a própria mãe. Da mesma forma, os conselhos de Bonita Smith, mãe de Tyler, servem como um interlúdio para as 14 faixas apresentadas no álbum, trazendo à luz o fato do álbum se tratar de algo muito além de si mesmo. Nele, temos uma visão da vida íntima de Tyler e das pressões que ele sofre enquanto vive, resultando em um tributo pleno às eras passadas do rapper.
Os trompetes de Thought I Was Dead nos levam de volta a Wolf, os sintetizadores lembram Igor (2019) e a energia caótica de Noid casa perfeitamente com Cherry Bomb. Por outro lado, o sentimento de Darling, I remete ao ambiente primaveril de Flower Boy, enquanto a autoafirmação de Rah Tah Tah se encaixa mais no estilo de Call Me If You Get Lost, lançado em 2021. Em Take Your Mask Off, vemos marcado o momento de maior importância do álbum, em que Tyler tira a máscara que veste e tem uma conversa honesta com os seus fãs (e consigo mesmo) sobre suas inseguranças e traumas. Chromakopia é uma reconciliação do antigo e do novo Tyler.
"Eu não sou quem eles conheceram aos 20 anos. Não sou nem mesmo quem eu era há um ano", diz Tyler, ficando um pouco irritado com a ideia de que ele poderia ser essa pessoa. "Quando dizem 'quero a versão antiga', sei que é porque eles ainda estão nesse lugar. Mas eu não estou. E eu estou bem com isso, porque minha identidade não depende de uma versão de mim mesmo." Tyler the Creator para Billboard
O que é Chromakopia?
É um estado de espírito? Um lugar? Uma epidemia? Quando o assunto é Tyler, não podemos ter certeza.
Trata-se de uma metáfora para algo cromático, como as cores. A primeira faixa, nomeada St. Chroma, é uma referência a Chroma the Great, um personagem do livro infantil The Phantom Tollbooth, de Norton Juster. No livro, Chroma é um maestro cuja música traz cor ao mundo, cenário esse muito semelhante ao que vemos no teaser visual da música, disponível no YouTube. Nesse mundo preto e branco, uma batida grave ilumina tudo nos segundos finais, enquanto Daniel Caesar, que faz feat na faixa, canta: “can you feel the light?”. Em tempos de tons monocromáticos, Tyler nos lembra de proteger o que temos de mais precioso — e colorido — dentro de nós mesmos.
Quem é St. Chroma?
Saint Chroma é Tyler Gregory Okonma, ou pelo menos um personagem interpretado por ele. Dentro da narrativa da obra, vamos acompanhar o processo de Tyler lidando com o envelhecimento em um mundo de sua própria criação. Esse alter ego incorpora uma faceta libertadora — porém complexa — da persona de Tyler. As imagens e a máscara convidam à contemplação sobre identidade e liberdade, sugerindo um conflito emocional oculto.
O álbum possui muitas semelhanças com Mr. Morale & the Big Steppers (2022), de forma inversa, quando Kendrick Lamar conta sobre as contradições de sua própria vida e como elas desempenharam um papel central em sua música e relação com a fama. É possível afirmar com clareza que esse é um dos discos mais introspectivos de Tyler até o momento. É algo íntimo, com revelações pessoais e verdadeiramente emocionais; um alter ego que fala sobre paternidade, autoconfiança, aceitação e, principalmente, o medo do futuro. Saint Chroma pode parecer mascarado, porém, liricamente falando, Tyler está no seu momento mais íntimo em anos.
Dissecando as faixas
Os feats foram um dos assuntos mais comentados antes mesmo do álbum ser lançado. Apesar de não termos visto o retorno de Frank Ocean dessa vez, amigo próximo de Tyler desde os tempos de Odd Future e quem já participou de diversas tracks com o cantor, Chromakopia conta com alguns rostos conhecidos e outros novos amigos na composição, utilizando os feats como uma oportunidade para cada convidado trazer algo que enriqueça a narrativa.
Acompanhado das palavras de conforto de Bonita Smith, os vocais de Daniel Caesar, cantor canadense de neo soul, entram em St. Chroma como uma montanha-russa. O fato de Tyler sussurrar na faixa e falar de si na terceira pessoa é como se ele comunicasse ao público, “ouçam com atenção, é algo importante”, juntamente com os vocais angelicais questionando: “can you feel the light inside?”. Esse conjunto faz parecer que estamos em uma viagem arrebatadora em direção à mente de Tyler.
Rah Tah Tah, apesar de ser a segunda faixa, é a que nos apresenta ao alter ego, St. Chroma: uma mistura de audácia, humor e introspecção. O uso lúdico de paradoxos mostra a dualidade entre sua persona pública e seu eu interior, conforme evidenciado no verso: “know me and crack don’t share daddies, but we really twins”. A letra é repleta de palavras de autoafirmação, mencionando o sucesso financeiro de Tyler e suas conexões com grandes celebridades, como a atriz Zendaya. Porém, também aborda a desconfiança do artista diante de pessoas que se aproximam por interesse e o estado paranoico gerado por isso.

Noid foi usada como single de divulgação, tendo parte dela lançada na rede social X (antigo Twitter). A música conta com o músico Thundercat no baixo e a cantora Willow nos vocais, e o videoclipe é estrelado pela atriz Ayo Edebiri, que interpreta uma fã obcecada. Na faixa, uma parte da mente de Tyler é ampliada: seus pesadelos, como em “Someone's keeping watch (Alguém está de olho)/I feel them on my shoulder (Eu o sinto no meu ombro)”. As guitarras dão uma sensação de filme de terror, com uma sample de Nizakupangaga Ngozi, música da banda zambiana, Ngozi Family, que fala sobre afastar energias tóxicas da sua vida.
Darling, I. traz os vocais de Teezo Touchdown e fala sobre sinceridade e as consequências de declarações românticas, revelando um conflito interno entre Tyler e sua resistência à monogamia. Ao longo de 4 minutos, Tyler também aborda a própria devoção à música, comparando-a com seus relacionamentos pessoais: “Nobody could fulfill me like this music shit does (Ninguém poderia me preencher como essa m*rda de música)”. O confronto entre o antigo Tyler e o atual fica evidente no verso: “Forever is too long (Para sempre é longo demais)”, enquanto em um de seus maiores hits do Flower Boy, a canção See You Again, com Kali Uchis, se torna quase uma lamúria ao implorar por um beijo eterno: “Can I get a kiss? And can you make it last forever? (Posso ganhar um beijo? E você pode fazer durar para sempre?)”
Assim como em Call Me If You Get Lost, Darling, I e Hey Jane abordam uma narrativa de causa e consequência. Darling, I fala sobre a liberdade de se apaixonar, enquanto Hey Jane aborda uma gravidez não desejada e o efeito dominó que esse evento causa. Já Judge Judy, com os vocais de Childish Gambino, oferece nuances de romance, inquisição e intimidade sem julgamento. Essas três faixas exemplificam a habilidade de Tyler em criar narrativas e oferecem uma visão sobre seus relacionamentos.
Em I Killed You, Tyler aborda de forma magistral as complexidades da autoimagem e das pressões sociais, tratando de temas como origem, autoestima e legado numa sociedade preconceituosa. Enquanto isso, Sticky, com participação de três rappers, GloRilla, Sexyy Red e Lil Wayne, traz um acervo de metáforas e trocadilhos que fluem perfeitamente e mistura diferentes gêneros, refletindo a personalidade rebelde de Tyler.
Em Take Your Mask Off, Tyler aborda como as pessoas escondem seu verdadeiro eu e como isso pode machucar não apenas os outros, mas a si mesmo. Apesar de apresentar narrativas que incluem a vida de um gangster, um pastor e até mesmo uma dona de casa, é perceptível que, muito além disso, Tyler fala sobre si mesmo.
Tomorrow não conta uma história, mas apresenta um novo Tyler. Embalada por um sample brasileiro de Summertime, de Rosinha Valença, essa nova persona reflete sobre o processo de envelhecimento, expectativas e liberdade. Ao longo da faixa, Tyler pondera sobre o estresse associado à ideia de ter filhos e as responsabilidades que acompanham essa decisão. No entanto, ele abraça sua individualidade e liberdade: “And any pressure that you're putting on me, I’ma tear it down (E qualquer pressão que você colocar em mim, eu vou destruir)”
Em Thought I Was Dead, Tyler traz Schoolboy Q, um dos poucos amigos de verdade que o rapper tem na indústria musical. A faixa revela a maturidade que Tyler alcançou com o passar do tempo e reflete sobre a indiferença em relação às críticas, assim como fala da compreensão de que seu eu do passado (os muitos) aborda, de fato, uma pessoa diferente de quem ele é agora, enfatizando a superficialidade e o vazio que a fama pode causar.
Like Him, com a colaboração da inglesa Lola Young, pode ser considerada uma das músicas mais importantes da discografia de Tyler. Por meio dela, o artista explora sua infância e a ausência do pai, começando com observações de Bonita Smith, sua mãe, sobre as semelhanças de Tyler com ele, e a letra evoca o desejo de se desvencilhar de uma figura quase fantasmagórica: “Mama, I’m chasin’ a ghost / I don’t know who he is (Mãe, estou perseguindo um fantasma / Não sei quem ele é)”. Como é possível se comparar com alguém que ele nunca conheceu? O pai é um fantasma que Tyler deseja entender, mas com quem nunca poderá se conectar genuinamente. Ao final, a música se finda com o silêncio, após uma confissão de sua mãe: “But he's always wanted to be a father to you / So I-I fucked up and I take ownership of that (Mas ele sempre quis ser um pai para você / Eu errei e assumo isso)”
Balloon, penúltima canção do álbum, é um hino dedicado à individualidade de Tyler, que questiona seus próprios desejos em contraste com as expectativas do público. Com a participação da incrível Doechii, Tyler deixa claro que ele é quem é graças a si mesmo — não pela ausência do pai nem pela presença da mãe.
A jornada intensa e caótica de Chromakopia tem o desfecho com I Hope You Find Your Way Home, nos deixando a sensação de que esse “lar” é mais uma metáfora emocional do que um lugar literal. Tyler expressa seu estado psicológico de turbulência, buscando apoio em meio ao caos de suas inseguranças pessoais e desejos de perdão e aceitação. A obra encerra com mais um áudio de Bonita, dessa vez expressando seu orgulho: “Papo reto, tô orgulhosa de você / Tô orgulhosa de você, cara / Tipo, você nunca cansa de impressionar, você só… / Não tem palavras pra como eu me sinto / Faz seu trampo, apenas continue, continue brilhando.”
Chromakopia, uma jornada nem tão monocromática assim
Com o passar dos anos, Tyler vivenciou tudo que uma estrela da música poderia experimentar, assumindo diferentes personas, diversos visuais e criando faixas que o levaram a um patamar cada vez maior dentro da indústria. Esse álbum, assim como Flower Boy, IGOR e Call Me If You Get Lost nos anos anteriores, é uma entrada para um assento na primeira fila da mente e do espaço criativo de Tyler.

Chromakopia é um disco sobre “a merda que acontece quando se passa dos 20 anos” e as incertezas que, muitas vezes, não temos escolha a não ser aceitá-las. É algo profundamente pessoal, em que o Criador encontra a versão mais completa de si mesmo, como um maestro de batidas e cores.
Embora haja muitas faixas de destaque no álbum, uma coisa permanece verdadeira: Chromakopia é uma carta de Tyler para si mesmo sobre o passar do tempo, os traumas que permanecem e a importância de manter o próprio brilho nesse mundo tão cinza.
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