No Ar Coquetel Molotov: uma ardente explosão musical em Recife
- João Matheus Marques
- 15 de dez. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 21 de dez. de 2024
Confira os destaques da 21ª edição do festival No Ar Coquetel Molotov.
Uma cultura tão vívida e pulsante quanto a pernambucana só poderia ser representada por um festival à altura, e entre os últimos sábado e domingo, dias 7 e 8 de dezembro, o campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) recebeu a 21ª edição explosiva do festival No Ar Coquetel Molotov. Com participações de artistas ilustres, como Pabllo Vittar, Jaloo, Ebony, Dandarona, Tati Quebra Barraco e AJULIACOSTA, o evento transformou-se em uma noite inesquecível para aqueles que vibraram ao som das canções de um line-up histórico, composto por 70% de artistas femininas e que exaltou vozes do norte e nordeste do país.

Criado em 2004 e inicialmente apresentado na Rádio AM de Recife (atual Rádio Paulo Freire), no ano de 2001, o No Ar Coquetel Molotov se consolidou como um dos festivais mais importantes do cenário artístico brasileiro; em seus palcos, já ecoaram vozes como Racionais MCs, Milton Nascimento, Lô Borges, Duda Beat, Sevdaliza, Azealia Banks e a então estreante, Karol Conká. Neste ano, o festival manteve a diversidade pela qual ficou conhecido e atestou seu frescor, ao mostrar que em meio à imensidão fervilhante, ainda há espaço para se reinventar na descoberta de novos artistas.

No palco principal, os destaques fluíram entre apresentações hipnóticas e coreografias marcantes. Em uma performance arrebatadora, a cantora paulista, Céu, apresentou seu álbum, Novela, coeso do início ao fim, em uma mescla de nostalgia e romantismo intrínsecos à identidade brasileira. Em entrevista para a Guilhotina, ao ser indagada sobre a sensação de trazer seu álbum para Pernambuco depois de uma turnê internacional, a cantora afirmou que voltar para o Brasil é o que a abastece, como liricista e cantora latino-americana, e destacou a sensação de pertencimento, ao dizer que é aqui – seja em Recife ou no território brasileiro em geral – onde se sente entendida.
A região norte do país também foi destaque na programação da noite. A paraense, Jaloo, retornou aos palcos do Molotov após 5 anos e tirou todos do chão com a mistura de ritmos como piseiro e tecnomelody, que marcam as faixas de seu último disco, MAU. Quando a artista subiu ao palco, não houve quem não se rendesse ao seu irresistível poder de sedução, e o ponto alto daquele que Jade Melo afirma ser seu último show em 2024 foi a estrondosa performance da faixa Chuva, de seu primeiro projeto, #1. Outro momento destaque foi a performance da inebriante Phonk-Me, marcada por sintetizadores e um refrão chiclete.
“Ah, a gente é mutante, né? Cada pedacinho do que já veio faz parte do que eu sou agora, então é uma junção de tudo, do passado, de vivências… uma mistura que mostra muito quem eu sou hoje. Então eu estou muito feliz e orgulhosa por isso.” - Jaloo, em entrevista para a Guilhotina.
Vinda da capital paraense, a mais nova aposta do brega romântico, Zaynara, voz de canções como Quem Manda em Mim, entregou um show repleto de carisma e originalidade, atestando mais uma vez seu talento ao provar que veio pra ficar.

Em seguida, foi a vez das rappers femininas assumirem o microfone e o coração da plateia. AJULIACOSTA e suas dançarinas levaram o público ao êxtase, entre sequências coreografadas de músicas de Beyoncé e faixas autorais. Com um flow marcante e muita paixão, a rapper brindou a todos com uma presença de palco única e, em seu discurso final, agradeceu o amor, o respeito e a educação dos fãs recifenses. Para a Guilhotina, a paulista enfatizou a importância do protagonismo feminino no cenário do rap nacional e a valorização de um público de mulheres que vem crescendo cada vez mais.
Já a carioca, Ebony, dona de hits como Hentai, Pensamentos Intrusivos e 100 Mili, cantou seus hits ao lado de LARINHX, DJ oficial dos shows da cantora. Com muito carisma e autenticidade, levou o EP, Terapia, para um público que sabia de cor todas as músicas, nos deixando com vontade de mais, mesmo que essa seja a segunda vez da rapper em Recife desde fevereiro, quando marcou presença no REC’n’Beat.
Em entrevista à nossa repórter, Clarice Rodrigues, Ebony compartilhou a vontade de voltar à capital de Pernambuco e disse ter aproveitado a estadia aqui no Buraco da Véia, um pequeno oásis na zona sul, assim como também afirmou que os fãs têm muito a esperar de um novo projeto particular, em 2025.
E, para a grande maioria, o momento mais esperado da noite no palco principal foi o show da maranhense, Pabllo Vittar. A drag, que recentemente gravou um clipe em Pernambuco, no bairro do Ibura, com o cantor de piseiro, João Gomes, celebrou as faixas marcantes de sua carreira, passeando pelos volumes de Batidão Tropical, projeto que resgata a essência de clássicos do brega e do tecnomelody, uma performance de Alibi, de Sevdaliza em parceria com a cantora e com a francesa, Yseult. Com o bom humor característico, a artista, que fez de Recife palco e testemunha de seu talento durante esse ano, cintila, mantendo a pose e encantando, mais uma vez, seus fãs.

Os shows do Palco Natura (que carrega o nome e o patrocínio da marca), na Concha Acústica da UFPE, foram magistralmente iniciados com as performances da debutante do rock alternativo, Dimitria, e junto à Sofia Freire (dona do álbum Ponta da Língua, lançado em março deste ano), provou que indie e rock dialogam muito bem com Pernambuco, terra natal de ambas.
Dividindo o palco com o grupo Coco das Antigas, o espetáculo ancestral de Fykyá, levou todos para o centro de uma ciranda guiada pelos ritmos dos maracá, pífanos e pandeiros. Em conversa com a repórter Lívia Coelho, o cantor, que é indígena e LGBTQIA+, ressaltou a importância de uma luta histórica, entre o emocionante coro das vozes que carregam na pele herança e orgulho. Quem continuou pelo palco Natura também não deixou de se encantar com a performance intimista da cantora sudanesa-holandesa, Gaidaa, que mostrou a todos como se faz um neo-soul.
Ainda no Natura, apresentaram-se Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, em seu debut no festival, e a vocalista agradeceu a oportunidade através de suas redes sociais, afirmando sempre ter se interessado em tocar no evento. Quem roubou a cena, em seguida, foi Amaro Freitas Filho, recém ganhador do Prêmio Multishow na categoria Instrumentista do Ano, com solos de piano e uma das performances mais bonitas da noite. Logo após, foi a vez do Rio Grande do Norte marcar presença com Luísa e os Alquimistas e seus maiores sucessos, trazendo para a plateia todo o calor que emana do grupo. Outros destaques da noite foram Ventura Profana (BA) e Nailson Vieira (PE).

Na curadoria do Palco Kamikaze, a escolha dos artistas ficou com a DJ e ícone do cenário da música eletrônica recifense, IDLIBRA, que criou o espaço onde o Baile Charme REC fez magia e embalou a todos no estilo único que só os charmosos têm na pista de dança. Corello DJ, figura central na criação do baile no RJ, foi uma das atrações desta edição e apresentou um set que dialoga diretamente com a história do próprio baile e da cultura negra carioca. Sobre estar presente no Coquetel Molotov, Felipe, mestre de cerimônias do Baile Charme REC, afirma que:
"Estar dentro do cenário cultural em Recife é um marco que o público acaba vendo ali o festival. E o importante para a gente, realmente, é que as pessoas cheguem, que as pessoas conheçam a cultura e que vejam o quanto é importante festas organizadas por pessoas pretas. [..] Ficamos muito felizes de ver a galera dançando com a gente, Corello estar participando também. É uma coisa muito importante, porque ele é o criador do Movimento Charme no Brasil, então, Corello estar nesse cenário, junto com a gente, mostra também a força que o movimento criou em Recife. É um marco gigante. É uma coisa que deixa a gente emocionado. São gerações e gerações ali, vivas, tocando, comemorando vidas negras junto com a gente. E isso acaba sendo muito significativo pro baile."
Mais tarde, com o set do DJ MU540, as batidas se confundiram ao ritmo cardíaco daqueles que o cercavam, em um frenesi luminoso. Depois, trazendo a Sexta dos Crias para Pernambuco, o sucesso internacional e artista obrigatório no set de lendas alt como Björk, DJ Ramon Sucesso chegou ao festival como uma estrela flamejante, com o poder de seu beat bolha.
Emblemáticas dentro de seus respectivos nichos musicais e donas de clássicos que rompem a barreira dos anos, Tati Quebra Barraco e Nega do Babado resplandecem na reafirmação de que seus nomes estão gravados para sempre dentro da música.
O público não poderia ficar de fora dessa partilha sinestésica, e a personalidade midiática, João Gabriel Mota, conhecido como Claudette Gregotica na rede social X, nos contou um pouco mais sobre a experiência geral do evento:

“Olha, eu adoro o Molotov, esse é o meu segundo ano no festival presencialmente. Eu lembro que mais novo, eu tinha uma memória muito viva do Molotov, porque, sei lá, há uns 10, 11 anos era o Molotov que reunia, no Nordeste, esse monte de artistas independentes grandes, da gringa, do indie, eu pirava muito. Eu achei muito f*da esse festival, muito organizado […] acho que é um ponto fora da curva total, não conheço nenhum outro festival que aconteça em uma federal. Eu gostei de muitos shows, se fosse listar os meus favoritos eu falaria o [DJ] Ramon Sucesso, a Pabllo, o Amaro Freitas. O show do Amaro Fleitas foi assim, um sonho, catártico. Foi muito bonito ver o Amaro em casa, na sua terra, emocionante”
O Coquetel Molotov é quando Recife explode em música, e sobre a edição deste ano, Ana Garcia, CEO do festival, afirma, em entrevista concedida para a Guilhotina:
"Ainda estou em êxtase com o festival! Acho que a ficha ainda não caiu sobre o que conseguimos realizar: uma edição histórica em um momento tão desafiador para o mercado da música. Sempre leva algumas semanas para processar tudo, porque o trabalho não para — mal termina o festival e já fico focada no pós, enquanto começo a imaginar como será a próxima edição. O que faz o festival durar e ser tão inovador, mesmo após mais de 20 anos, é essa constante construção, a busca por mudar, transformar e melhorar. Estou profundamente grata por termos contado com o apoio de marcas incríveis, como Nubank, por meio da Lei de Incentivo, a Deezer, que assinou o palco Kamikaze, a Natura, que renovou a parceria conosco, e pela estreia da Sol em nosso festival. Também é fundamental reconhecer o suporte da Prefeitura, que tanto valoriza a cena local. E, claro, nada disso faria sentido sem o nosso público, que nos apoia e vibra junto, e aos veículos de comunicação que amplificaram essa edição inesquecível. Estou muito agradecida, e já ansiosa para 2025!"
O festival que celebra a diversidade há 20 anos e dribla a grande crise que permeia o circuito de eventos em Pernambuco, em sua incomparável capacidade de se reinventar, promete permanecer com sua essência única por muito mais tempo. Fiquem ligados nas próximas edições do Molotov!
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