Carol: revisitando um clássico contemporâneo de Natal
- Jéssica Oliveira
- 25 de dez. de 2024
- 5 min de leitura

Carol (2015) é um filme de drama e romance dirigido por Todd Haynes, inspirado no livro de Patricia Highsmith, The Price of Salt (1952). A trama segue Therese Belivet, a funcionária de uma loja de departamentos que vive uma vida entediante. Dias antes do Natal, ela conhece uma cliente intrigante e elegante, chamada Carol. Uma atração rapidamente nasce entre elas, o que mudará suas vidas para sempre.
Com 6 indicações ao Oscar (2015), Carol é um filme que certamente mexe com o espectador por um bom tempo após o fim dos créditos, Envolvente, repleto de personagens cativantes e uma trama interessante e reflexiva, Carol se estabelece como um dos filmes LGBTQIAPN+ mais marcantes da história e um cult classic de Natal.
O enredo constrói cenário na década de 50 e tem início com um in media res, que significa “no meio das coisas”, em tradução, mostrando uma cena das duas personagens interagindo em um encontro, nos envolvendo, ainda, em um grande mistério sobre qual caminho a trama irá percorrer. O momento é quebrado com a chegada de um amigo de Therese e a partir daí a história passa a se desenvolver para um foco maior na vida de Therese, interpretada por Rooney Mara, que leva uma vida calma e sem muitas coisas interessantes acontecendo. Ao mostrar a visão dela, tudo parece monótono e sem cor, até Carol surgir.
A aparição de Carol é sutil, mas chama a atenção. Sob a mesma sutileza, logo aquela mulher misteriosa apresenta-se, tomando a tela com elegância, e nesse momento passamos a conhecê-la. Carol é uma mulher além da eloquência que aparenta, pois atualmente sua vida é um caos. Em meio à guarda da filha pequena e passando por um processo difícil de divórcio contra Hage, seu marido controlador, Carol está em busca de si mesma diante da confusão instaurada na própria vida.
Ela tenta se aproximar de Therese com convites para o almoço, o que logo evolui para algo mais íntimo, ainda que continue no processo de separar-se do marido e afastá-lo da vida dela por completo. Tendo como pano de fundo uma época em que a homossexualidade era abertamente descriminada, mulheres se separando também era outro grande tabu, mas Carol mostra-se uma personagem muito forte ao querer ser quem é sem restrições, à medida que fortalece seu lado materno e o grande amor que sente pela filha.
O livro de Patricia Highsmith apresenta uma história semi biográfica, pois a autora utilizou de elementos da própria vida para a trama. A obra foi publicada pela primeira vez em 1952, sob o pseudônimo de “Claire Morgan” e impactou a literatura lésbica com seu relacionamento explícito entre duas mulheres e um final feliz (algo fora da curva na maioria das histórias homoafetivas), e foi esse o primeiro final relativamente feliz em um dos romances da autora.

Ainda no filme, a trama não é inovadora ou completamente original, mas a forma como é contada, sem dúvidas, faz com que se torne fascinante assisti-lo e uma ótima recomendação para ver no período natalino. Para contar uma história de amor não é preciso de muito além de construir uma narrativa que prenda a atenção do espectador, e Carol faz isso com maestria.
Therese também é uma personagem que nos apresenta uma personalidade complexa e capaz de cativar o espectador: uma mulher sem muitas ambições, apenas vivendo sua vida normalmente enquanto concilia com sua paixão pela fotografia, mesmo em meio às dificuldades. Sua personalidade complexa nos mostra uma pessoa que não tem certeza das próprias escolhas, e a atuação de Rooney Mara é convincente em nos atrair à personagem, já que é um desafio e tanto transmitir os sentimentos confusos de uma jovem inexperiente, mas a atriz faz parecer natural.
Já Cate Blanchett apresenta uma Carol forte e madura e isso é mostrado em certos momentos com enquadramentos que evidenciam a diferença de classe, experiência e idade entre as personagens. Em paralelo, outras cenas mostram uma Carol mais frágil, abalada pela possibilidade de perder a guarda da filha. E é aí, principalmente, quando vemos o personagem de Kyle Chandler enquanto vilão, representando o marido controlador que quer manter Carol presa em um casamento infeliz para benefício próprio.
A escolha da direção para a fotografia é muito perspicaz, optando por imagens frias que despertem uma imersão de época. Incorporando a época natalina, o cenário e a direção de imagem transmitem a energia das festas de fim de ano através dos cenários quentes e confortáveis quando dentro de casa e uma paisagem fria e cinza, típica do inverno, do lado de fora.
O roteiro de Phyllis Nagy não traz ideias ousadas, sempre mantendo-se em um ritmo calmo e suave, até os momentos de clímax são construídos de forma vagarosa, mas o clima de ameaça iminente sempre está à espreita, e quando tudo parece ir bem, algo que sempre esteve lá reaparece e impacta o mundo de Carol e Therese. Todd Haynes, na direção, faz escolhas inteligentes ao focar também nos pequenos detalhes, aqueles que não reparamos em um primeiro olhar, mas a imersão ao longo do filme faz com que percebamos essas sutis mudanças, causando sensações de tirar o fôlego.
A trilha sonora também é um grande triunfo, colocada em momentos oportunos, como na primeira noite de amor delas, embalada por uma vitrola no fundo, que é deixada em segundo plano quando uma melodia suave e melancólica entra em cena e se mescla com os sons de Therese. Para complementar a delicadeza do momento, a direção de cena opta por uma sobriedade íntima, que não a torna explícita, mas mostra lapsos do contato íntimo e apaixonado entre as mulheres.
Na cena anterior a essa, acompanhamos o momento em que, pela primeira vez, Therese decide algo por vontade própria e não tomada pelo julgamento alheio. A partir daí, a sucessão de eventos evidencia como Carol se importa com Therese e podemos testemunhar a garota que trabalha numa loja de departamentos se tornar seu porto seguro. Amarrada ao conceito de “estar no armário”, sempre aplicado como forma de regular a vida de pessoas LGBTQIAPN+, a relação de Carol com seu marido é uma arma utlizada por Hage para controlar a esposa e impedir que ela floresça como seu verdadeiro eu, usando a filha como forma de mantê-las junto a ele. Aos poucos, vemos Carol se desprender disso e permitir-se ser quem é de verdade, sem amarras.

Quando Carol, então, decide lutar contra a repressão que foi naturalizada em sua vida e procura por uma Therese mais madura, o filme se finda com impacto. A Therese que cresce junto de Carol é demarcada na fotografia pela forma como ambas ficam na mesma altura, agora em um enquadramento mais amplo, à medida que a personagem cresce para fora do próprio casulo, evidenciando que Therese já não é mais a mesma.
Outra vez vemos Therese tomando uma decisão, sem demonstrar mais traços daquela jovem com o olhar perdido que encontramos no começo do filme. A condução de Rooney Mara nessa fase é um espetáculo particular, porque abraça todo o amadurecimento da personagem e da própria atuação. Ao fim, também vemos Cate Blanchett interpretar uma Carol mais sensível e independente, livre da elegância de antes, que era alimentada por uma vida que levava antes e já não faz mais parte dela. Pouco a pouco, a atriz encanta a todos como Carol, e não é só Therese que se apaixona por ela, fazendo jus à escolha do nome que representa o título da obra.
Somos deixados, no final, com uma sensação de liberdade e um gostinho de felicidade na boca, mesmo após os tantos obstáculos que as duas mulheres enfrentam durante o longa. Carol é um filme simples, sem nada de muito revolucionário para introduzir a quem assiste, mas que conta a história de um amor de modo cativante e afável como o Natal, com elementos marcantes que o tornam um clássico contemporâneo.
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