Conheça a performance da artista cearense que mescla paisagens e bordados.
Sob o concreto das cidades ainda há possibilidade de encontros, memórias e pertencimento?
É exatamente por meio desse prisma que se baseia a performance Bordamar, da artista cearense Wilma Farias. Graduada em design de moda e mestre em Artes pela Universidade Federal do Ceará, ela diz que sempre se interessou por questões que englobam a cidade e, sobretudo, pelas paisagens que a cercam.
Para além de uma experiência estética, a performance de Wilma permite uma “rizomaticidade” (termo alcunhado pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e Guattari, que busca explicitar o fluxo sem início ou fim, uma desterritorialização e multiplicidade, que pode ser aplicada à arte contemporânea) de elementos que intercruzam um mapeamento a partir de um olhar sensível e coletivo. Em entrevista à Guilhotina, Wilma disse que seu projeto surgiu quando ela morou em Salvador, o que despertou, segundo ela: “o olhar para tecer relações sobre a paisagem urbana e o lugar que o mar tem ao experienciar a cidade no cotidiano."
Ao retornar à Fortaleza, o desejo de tecer uma conexão entre o mar e a cidade enquanto um “espaço de experienciar”, somado ao “gesto de bordar, como um modo sensível de traçar contornos de convivência em espaços coletivos”, foi o que motivou Wilma a estabelecer essa experiência não apenas artística, mas essencialmente múltipla e intersubjetivamente associada ao conceito de performance-encontro, bastante explorado pela artista nessa obra.
A performance de Wilma faz parte de uma camada da arte que carrega consigo uma teia de pluralidades e interconexões. No livro SincrétiKa, de Massimo Cannevacci, é exposta uma análise etnográfica das produções artísticas atuais e um dos conceitos trabalhados ao longo da obra traz consigo justamente a ideia de “sincretismo”, isto é, o encontro e a fusão polifônica; como sugere Canevacci, a “polifonia” é o método que amplia a dialógica, tornando-a visível, audível para subjetividades outras. A perspectiva polifônica descentra as subjetividades, não projetando as perspectivas do eu sobre o outro. A polifonia não é a arte de correlacionar diferentes harmonias, mas de entrelaçar dissídios, aproximar conflitos e exercer desordem tímbrica, bastante observado ao longo de Bordamar.
Para Massimo, “o sincretismo encontra na montagem metodológica dos vários capítulos, no choque de diferentes argumentos, no percorrer nas subjetividades literárias ou artísticas reciprocamente estranhas, no deslocamento de linguagens lineares: uma composição que se recusa à moldura, que salta para fora de uma delimitação geométrica, de um quadro pendurado."
Analisar a performance-encontro de Wilma traduz o perfil identitário-sincrético que a obra traz consigo em uma experiência sensível, reflexiva, coletiva e que ainda tem a potencialidade de costurar uma intervenção e ocupação direta na paisagem litorânea, afinal, como citou a artista: “Ao bordar um manto de 5 metros na beira do mar, tem-se como proposta gerar encontros. O manto não é bordado por uma pessoa só. É bordado por muitas mãos.” Essa exploração sensível da coletividade é também um exercício de pertencimento dentro da cidade, mergulhando não apenas no bordado, mas no oceano de memórias, diálogos e questões atuais, tendo como objetivo trazer à tona “a transformação da paisagem urbana, levando à reflexão acerca da responsabilidade que temos de cuidar ou não da cidade”.
A ação vem ocorrendo desde o dia 22 de Junho e tem como objetivo “traçar mapas afetivos com o espaço urbano e a praia”, seguindo o fluxo das regiões de Sabiaguaba à Barra do Ceará – áreas que sofrem com problemas ambientais, como poluição, queimadas e o acúmulo de lixo.
Em Novembro de 2023, por exemplo, a região do Aterro da Praia de Iracema, um dos locais em que o projeto ocorreu, foi definida pela Semace (Superintendência Estadual do Meio Ambiente) como imprópria para banho devido aos resíduos, despejos, óleos e até mesmo esgotos sanitários encontrados na água.
Desse modo, a performance atua também na busca de conscientizar e promover uma roda de conversa relativa aos impactos ocasionados pelos seres humanos sobre a natureza, trazendo um encontro de escuta, debate e produção artística.
“Considero a arte uma forma de produzir conhecimento e pensar de modo sensível. Toda pessoa deve olhar para as questões ambientais e ter consciência da sua responsabilidade social. É importante entendermos o impacto das nossas ações individuais para o coletivo." - Wilma Farias.
Bordamar não é apenas uma performance, mas um manifesto em virtude dos encontros, afetos, pertencimentos, responsabilidades, reflexões e memórias navegantes em um mar de urbanidades, intersubjetividades e indivíduos.
Se interessou por esse evento?
Essa performance, que conta com apoio da Lei Paulo Gustavo por meio da Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza, é dividida em seis momentos e continuará a ocorrer, percorrendo diferentes pontos da orla de Fortaleza. Para mais informações, siga o Instagram @borda.uiu e o @festivalborda, que acontecerá dos dias 5 a 8 de Novembro, com a temática “Tramas do Encontro”
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